A voz da criança e a criação da literatura infantil no Brasil

Seria possível fazer Literatura (com toda a grandiosidade do termo) ao público infantil? Como seria a materialização em forma literaria a esse tipo de leitor? Quais seriam as caraterísticas e os recursos que um autor poderia utilizar para construir um texto que, ao mesmo tempo, respeitasse e expandisse o limite de conhecimento da criança e também proporcionasse prazer estético a esses pequeninos grandes leitores?  Vejamos como essas questões aparecem na história do aparecimento da literatura infantil no Brasil.

A literatura para a criança é um fenomeno recente na história da literatura tendo em vista que a idéia que atualmente se tem de criança também é recente. A origem da literatura infantil se dá com a difusão da política de alfabetização em massa no século XVIII. O aparecimento desse tipo de literatura ocorreu simultaneamente com o advento da revolução industrial e do conseqüente crescimento da economia proporcionado por ela. Nesse contexto, há o surgimento de novas classes sociais, como a burguesia, os profissionais liberais e os comerciantes e é o período em que o espaço urbano se expande.

Também, nesse período, a escola é reformulada e passa-se a estimular a formação pessoal através da valorização da leitura e da escrita. Ler e escrever são habilidades impostas como um meio para ascensão social. Admite-se a hierarquia através do saber, que privilegia o conhecimento burguês em detrimento de outras formas de conhecimento.          

No Brasil, a literatura infantil se inicia na primeira metade do século XIX. Nessa época o país está em busca da emancipação da Metrópole, através do progresso econômico e da conquista da cultura. As primeiras obras brasileiras para a infância foram adaptações da literatura européia e tinham espaço e tempo distinto do vivenciado pelo leitor brasileiro. O livro destinado ao leitor infantil assumiu desde sua origem uma personalidade educativa e tinha como finalidade o seu uso como um instrumento para o ensino. Sua razão de ser era o ensino e esse fim deveria estar acima de todos os outros.

Quando iniciamos a leitura dos textos de Monteiro Lobato, se faz necessário, antes de tudo, direcionar o olhar de análise sob uma perspectiva de Literatura enquanto precursora de sua época. A escrita de Monteiro Lobato é caracterizada como divisor de águas na Literatura Infantil e, conseqüentemente, na própria Literatura como categoria de dominância.

 “Esse papel, na nossa opinião, não se esgotava na transmissão de uma consciência crítica sobre os problemas que afligiam a sociedade brasileira. Estava sobretudo associado com o tipo de relacionamento de Lobato com seu leitor infantil e com seu leitor infantil e com sua abordagem de problemas morais e relações familiares”. (Vasconcelos, 1982, p.21)

A descrição do projeto lobatiano para os textos infantis deve ter como ponto de partida a inserção do leitor infantil a um espaço que ainda lhe era restringido e cuja via de acesso é construída por Lobato com a inauguração desse espaço: o Literário.

O primeiro passo para a defesa do surgimento da Literatura Infantil enquanto Literatura é a observação do novo paradigma trazido por esse projeto literário. Há uma nova concepção das relações entre o adulto e a criança e conseqüentemente a própria idéia de criança: esse leitor da literatura infantil, agora, tem sua voz dentro dos textos que são de seu interesse, que lhe são destinados. A inserção de tais interesses num construto textual representa a pressuposição de um leitor que, mesmo em formação, é recolocado não como tábula rasa, mas como um leitor que deve ser antes de tudo um leitor crítico.

A fórmula “E era uma vez… o bem vence, o mal não vence e ainda se dá mal; E a moral da história é: criança obediente e em silêncio; Silêncio das idéias” é caracterizada por Lobato como linguagem inadequada a esse publico leitor por apresentar a sobreposição da voz de um narrador em um arranjo cujas marcas hierárquicas refletiam sua posição autoritária. É a escrita lobatina quem vai questionar uma construção textual que até então priorizava necessariamente sua finalidade última de função pedagógica, chegando, em alguns casos a se falar mesmo com um “tom adestratório”.

Lobato trabalha com o moralismo através do realismo, de modo a não falsear um mundo em que o bem sempre vai ganhar. Prepara a criança para uma prática social com o questionamento dos valores que eram tidos como os bons princípios. Até aquele momento, o elemento onírico, a ociosidade saudável, a fantasia e o maravilhoso entre outros aspectos inerentes à concepção de literatura infantil eram abdicados a favor de uma “futura-presente” cidadania da “criança futuro da nação”. O uso da expressão “futura-presente cidadania” é para ressaltar a maneira como tal função era colocada à criança já presentificada no plano discursivo sob um slogan de fundo: “os esforços a serem realizados pelos bons meninos e pelas boas meninas”. O trabalho, a abdicação ao lazer e a submissão eram presenças carimbadas de moral de história infantil. Os estereótipos entrelaçados com enredos claramente maniqueístas em exaltação a valores absolutos e eternos caracterizavam a tradição que antecedia Lobato e que o contemporizava.

Nas obras infantis, a criança era muito pouco retratada e quando isso ocorria aparecia como um ser perfeito e caso fizesse coisas erradas sofriam as conseqüências. Essas obras tinham cunho extremamente moralizante em que crianças apareciam retratadas nas obras trazendo a aceitação do mundo tal como ele se impunha. Não tinham o direito a serem eram contestadoras e a problematizarem os fenômenos que as circundavam. Nesse sentido, ao serem construídas, tais obras visavam a trazer elementos para a formação da criança como a obediência, a higiene e o bom comportamento. O cotidiano não era retratado de maneira crítica e abdicava-se da necessidade de apresentação do fantástico, do maravilhoso, que fazem parte do universo infantil por excelência.

Assim, foi em contestação às concepções morais e religiosas e no inicio de uma “luta contra-ideológica” (Vasconcelos, 1982) que Lobato levantou os alicerces de seu projeto de Literatura Infantil. Nesse projeto os valores que deveriam figurar eram os de que quem é esperto se dá bem, nem todo mundo é totalmente bonzinho e nem totalmente ruim e os “vilões” não necessariamente têm punição. Além disso, um outro valor muito importante é o de que criança tem de brincar. E ela brincaria e também atuaria. Na obra de Lobato, as crianças podem agir por vaidade sem serem más, por exemplo.

O que devemos observar na escrita lobatina é que sua postura não dever ser encarada como a recusa a uma imagem de criança descolada da realidade Nacional em que está inserida. O que ela visa, na realidade, é a reconsideração dessa criança como indivíduo e como agente de atuação individualizada só que sem o recorte amarrado pelos arreios da coletividade nacionalista ufanista (Vasconcelos, 1982).       

“Dissemos que, depois de desiludido com a evolução e o Progresso, Lobato vai encontrar a causa dos problemas sociais na natureza humana. Isso sem dúvida por causa de seu individualismo de formação, que reduzia os processos históricos à ação de indivíduos, e não das classes sociais” (Vasconcelos, 1982, p.124).

O projeto literário de Lobato pode ser entendido como uma crítica aos valores morais vigentes e a evocação a uma mudança de rumo. Segundo as palavras de Vasconcellos (1982), nos texto de Monteiro Lobato há um amoralismo cético em que a moralidade seria exceção e não uma regra e reflete os impasses de um idealismo frustrado. Tal postura, porém, não exclui um ponto de vista de discussão profunda no âmbito da ética, ou ainda, um novo ponto de partida tendo seus princípios baseados em outra moral baseada no poder de questionamento de seu leitor e na reflexão.

O pensamento de Lobato está desse modo em consonância com o novo modelo de educação da época, o da a escola nova que traz uma nova concepção pedagógica que se confrontava com a educação tradicional. É a Escola Nova que tem seu alicerce teórico com a percepção de criança a considerando como ser pensante, respeitando os seus interesses e suas necessidades. É a Escola Nova também quem afirma que a educação devia partir do interesse da criança, a partir da análise de seus conhecimentos pr devia partir do interesse da criança, considerando seus conhecimentos p, afirmava que a educaç sofriam as consequencias.évios, isto é, a educação centralizava-se na criança. A idéia de criança como uma miniatura do adulto, tal qual o fazia a educação tradicional, é neste período abandonada. 

Lobato conheceu as idéias da escola nova através de seu amigo Anísio Teixeira, um dos representantes do movimento de renovação do ensino no Brasil. Esse outro olhar diante da interpretação do mundo, pelo próprio objeto que o governa tem como material de trabalho as situações concretas e cotidianas do indivíduo. Apesar da fusão feita por Lobato entre o real e o maravilhoso, tendo como recurso literário a não dissociabilidade destes dois mundos, era a temática da conduta racional que regia à lógica de seus textos.

Lobato trabalha na sua obra questões sociais e elementos da realidade, porém sem deixar de lado a fantasia. Foi Lobato no Brasil quem primeiro conseguiu unir o real com o maravilhoso, prestigiando os dois mundos. Nas caçadas de Pedrinho, é possível verificar elementos lúdicos se entrelaçando com o real em vários momentos,

“[…] temas como democracia e burocracia estatal apresentam-se na narrativa por intermédio dos episódios da assembléia dos bichos e das peripécias dos detetives, assuntos que, se não fazem parte do universo infantil tradicional em livros para crianças, ilustram bem os ideais de literatura infantil para Lobato” (Rocha, 2006, p.106). 

Materialmente, essa lógica se apresenta na construção das personagens, no modo como narrador se dirige ao seu leitor, na escolha do espaço da narrativa, na formação familiar apresentada e na naturalidade com que apresenta alguns fatos ao publico infantil, causa de criticas e divergências de muitos críticos de sua época.

Da Caçada da Onça às Caçadas de Pedrinho

A Caçada da Onça: Contexto de Criação

A obra A Caçada da Onça foi escrita por Monteiro Lobato em 1924, época em que o escritor já havia lançado livros para o público adulto, bem como já traçava delineamentos de um projeto de literatura infantil. Nesta data, Lobato já havia publicado livros relacionados ao Sítio do Pica-Pau Amarelo (na verdade, a obra em estudo é a quarta parte da Série Narizinho, e é uma continuação de O Marquês de Rabicó), além de coletânea de textos antigos  como O Macaco que se fez homem, de 1923. Trata-se de obra posterior à Semana de Arte Moderna, ocorrida em 1922.

Embora Lobato não tenha participado deste movimento e tenha sido julgado como conservador por muitos adeptos, seu alinhamento com as obras modernistas existe na medida em que também apresenta um projeto de busca das raízes nacionais, a exemplo de sua obra Inquérito sobre o Saci Pererê (1917).

A Caçada da Onça foi composta numa fase de intensa produção literária e conseqüente expansão da editora a qual abriu de seu próprio capital e a qual necessitou tomar diversos empréstimos para ampliação.

Entretanto, algumas turbulências políticas e pessoais ocorridas em 1924 acabaram mudando drasticamente este cenário. A Revolta Tenentista de Isidoro Dias Lopes e uma crise no setor de energia, além de algumas medidas governamentais que alteraram o sistema financeiro, ocasionaram a redução do ritmo de produção e um acúmulo de dívidas, culminando na falência da editora no ano seguinte. Em meio a essas questões políticas e pessoais, o livro A Caçada da Onça é publicado com tiragem de quatro mil exemplares.

As Caçadas de Pedrinho: Contexto de Criação

As Caçadas de Pedrinho materializam o processo de acabamento de Lobato, tal como ocorrido com as obras A Menina do Narizinho Arrebitado (1920); Narizinho Arrebitado (1921) e Fábulas de Narizinho (1921);  Fábulas (1922). Trata-se de uma obra que não constou da compilação Reinações de Narizinho (1931), tanto em razão da falta de unidade temática (em Reinações, o destaque é dado para o universo da menina Narizinho), quanto em virtude do processo de re-escritura a que Monteiro Lobato submeteu a obra de 1924: As Caçadas de Pedrinho é o aprimoramento de A Caçada da Onça.

Escrito nove anos após A Caçada da Onça, As Caçadas de Pedrinho, veio num outro momento de Lobato. Mais maduro e experiente após escrever diversos livros infantis, ter exercido outras atividades (editor, adido comercial) e também após ter vivido nos Estados Unidos, Monteiro Lobato tem idéias de progresso e modernidade que influenciam sua obra, principalmente no que tange a crítica à burocracia brasileira e à ineficácia estatal.

Ainda, nesta época, as personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo já gozavam de certa notoriedade e de um público cativo em razão de estratégias publicitárias e da efetivação do projeto literário de Monteiro Lobato (coleção de livros em que há a participação das mesmas personagens).

As Caçadas de Pedrinho muda o cenário de literatura infantil da época, trabalhando com a capacidade de reflexão, de questionamento e de crítica do leitor acerca de problemas contemporâneos à obra.

Quem é a voz que narra?

É possível dizer que nessas duas obras pode-se perceber a voz de um narrador que conversa com o leitor, de “igual para igual”. Não há a preocupação dessa voz em marcar repetidamente um valor ou uma moral. Ela é a voz de alguém que se preocupa não somente com o que a criança deve ouvir, mas com o que ela gosta de ouvir. São usados por essa voz recursos tais como perguntas para aguçar a curiosidade, respostas a serem descobertas, respeito à linguagem da criança sem necessariamente a sua infantilização. O enredo é contado por um narrador que sabe de tudo, onisciente, mas que deixa o espaço para que seu leitor também protagonize a história.   

Personagens:

Os personagens do sítio de Pica pau Amarelo podem ser divididos em dois grupos:

o   Do mundo maravilhoso

Emília: uma boneca de pano, esperta, mal criada, que não respeita a norma culta da língua, mas que geralmente está na liderança e no planejamento de todas as aventuras vividas pelos personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo. Tem grande capacidade de argumentação e de criação de soluções para situações difíceis e de perigo. Sua voz muitas vezes comporta a própria voz dos ideais de Monteiro Lobato.

Visconde de Sabugosa: personagem feito de sabugo de milho que tem como função a representação da figura do adulto, culto e racional, porém restrito à passividade de quem se restringiria apenas às verdades veiculadas em livros. É conivente com as brincadeiras e traquinagens das crianças do sítio.

Marquês de Rabicó: um porquinho submisso e preguiçoso. Vem a ser o marido de Emília no decorrer dos livros de Lobato.  

 

 

o   Do mundo não maravilhoso

Dona Benta: é a responsável pelo sítio e por cuidar das crianças. Participa de algumas das ações delas, mas também não as reprime quando não seguem expressamente suas ordens. É a matriarca. Tem como características ligadas à sua condição de adulto maior conhecimento de mundo e medo de novidades e de aventuras.

Pedrinho: menino inteligente, questionador, corajoso e ousado. Na obra, A Caçada da Onça e em As Caçadas de Pedrinho é o protagonista da história, e divide com Emília o papel de liderança. Não chega a ser mal-criado com os adultos, como Emília, mas nem sempre obedece às ordens dos adultos. Seus pais moram na cidade e ele costuma passar as férias no Sítio da avó.

Narizinho: compartilha com o primo, Pedrinho, grande parte das suas características. Tem como diferencial o grau com que leva em conta a opinião dos adultos, maior que os demais integrantes. Não há menção de seus pais.

 

Tia Anastácia: representa os negros agregados da casa, personagem comum num cenário de recente abolição da escravatura. É supersticiosa e medrosa, características ligadas à sua condição de adulto, mas, assim como Dona Benta, não repreende as ações e “reinações” das crianças do sítio.

 

Cleo: personagem/leitora das histórias do Sítio é uma menina que adentra a própria história que lê. Será no decorrer dos livros, a namorada de Pedrinho. Trás consigo todas as características de sua origem urbana, de quem mora na cidade, como a facilidade no manuseio de novidades da tecnologia e de informações da ciência.

Questões sociais

Quando um autor deixa de pensar sua obra de arte dentro do campo da estética pela estética, como aquele que se pode associar ao conceito do Sublime kantiano, e passa a incluir as questões sociais e políticas como condição sine qua non  para a elaboração dessa arte, temos o engajamento da obra nas questões políticas de sua época. Ao trazer ao palco para debate e para críticas fatos econômicos e políticos, um texto pode propor-se ao objetivo não de apenas alcançar o debate do universo humano, literário ou mesmo das questões apontadas por ele em seu texto, mas visar a colocar-se como ferramenta de mudança das questões contemporâneas à sua obra.

A questão é complexa e neste trabalho nos preocuparemos apenas em fazer alguns apontamentos e justificar o recorte de análise na comparação entre o texto A caçada da Onça, de 1924 e  a sua versão “reformulada” (foi mais do que uma reformulação), As Caçadas de Pedrinho, de 1933.

Se, para Kant, o processo de interpretação de mundo de uma obra de arte pode ser fechado em si mesmo em sua intrínseca condição de objeto de um processo de sublimação da interpretação do real, para Adorno, a estética é a única forma possível  para criticar o sistema social, uma vez que o sistema está dominado por simulacros em que se falseia uma pretensa harmonia existente somente dentro de uma ideologia burguesa: “tornou-se manifesto que tudo o que diz respeito à arte deixou de ser evidente, tanto em si mesma como na relação com o todo, e até mesmo o seu direito de existência” (Adorno, 1970, p.11). Assim, para ele, a arte deve ser crítica, deve ser protesto contra a sociedade.

Ao contrário do que se poderia supor, a escolha do ponto de vista adorniano não foi mera aplicação de uma teoria à interpretação literária da obra de Monteiro Lobato, mas um caminho selecionado em vista das próprias mudanças realizadas pelo autor ao reescrever A Caçada da Onça. E é caminho percorrido por Lobato ao introduzir claramente uma crítica à ditadura de Getúlio Vargas. Lobato demonstra um novo posicionamento em que não apenas a construção do universo de sua narrativa revela uma crítica de valores sociais, mas o próprio material histórico vira matéria de literatura.

“(…) talvez seja relevante pensar que o escritor ao usar a ironia para inserir problemas nacionais nas narrativas infantis, não só informa o seu leitor sobre o cenário sócio-político nacional, mas o prepara, por meio das reflexões que a narrativa pode lhe propor, para torná-lo um cidadão crítico” (Rocha, 2006, p.126).

Crítica à Burocracia em Caçadas de Pedrinho

Decepcionado com toda a burocracia brasileira na questão do petróleo, Monteiro Lobato usou sua obra infantil para criticar as falhas e excessos do governo Vargas, depositando no leitor infantil questionamentos sobre o modo com que o Estado é conduzido.

No livro, no episódio da caçada ao rinoceronte, vemos manifestar-se de forma clara a posição de Lobato acerca do grande entrave que a burocracia representa para o desenvolvimento do país. Durante essa passagem, são abordados aspectos como eleições democráticas, a criação desnecessária de um departamento estatal, a construção de obras despropositadas e onerosas ao invés de medidas mais simples, bem como a manutenção de um funcionalismo público ineficiente.

A denúncia à burocracia brasileira é adicionada à narrativa de aventura infantil realizada por meio de passagens irônicas e situações absurdas. Como exemplos, podem ser apontados: a motivação para não atirar no animal em direção ao Sítio (devido ao risco de dano à casa de Dona Benta), a construção da linha telefônica para definição da estratégia de captura do animal, a continuidade das obras públicas mesmo sem existência de obstáculo (qual seja, rinoceronte deitado na entrada do sítio), os excessos injustificáveis (luxos das obras), etc. Tais situações são equivalentes aos processos burocráticos de empresas estatais, como fonte de corrupção e afastamento do cidadão dos recursos que são do seu interesse, e aos quais tem direito.

Além da crítica aberta à burocracia, a obra também toca em outro aspecto político: as eleições democráticas (episódio reunião de animais). Para a época de edição do livro, este era um tema delicado, afinal, o país estava sob o regime político ditatorial.

Em suma, é fato que As Caçadas de Pedrinho inaugura a questão política na obra infantil, ou ainda, é a obra responsável pela introdução de ponderações da realidade brasileira nos escritos infantis. Passa a ser entendido que competia à literatura infantil informar o leitor sobre aspectos do país, bem como construir, por meio de reflexões, leitores críticos e ativos.

Bibliografia

 

ADORNO, Theodor W. Teoria estética. São Paulo: Martins Fontes, 1970.

CATINARI, Antenella Flavia. Monteiro Lobato e o projeto de educação interdisciplinar. Dissertação de mestrado de Ciência da Literatura. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2006.

ROCHA, Jaqueline Negrini. De caçada às caçadas: O processo de re-escritura lobatiano de Caçadas de Pedrinho a partir de A caçada da Onça. Dissertação de mestrado de Teoria e História Literária do Instituto de Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Campinas. São Paulo: 2006.

VASCONCELOS, Zinda M. C. de. O Universo Ideológico da Obra Infantil de Monteiro Lobato. São Paulo: Traço Editora, 1982.

ZILBERMAN, Regina. A Literatura Infantil na Escola. São Paulo: Global, 2003.

Uma resposta para “A voz da criança e a criação da literatura infantil no Brasil

  1. obrigada achei o que queria

Deixe um comentário